Risco de infarto

A maioria das pessoas não gostam de se meter com as licitações públicas por correr risco de infarto. De fato, são muitas emoções.

Não faz muito tempo, visitamos uma empresa consolidada no segmento de eletroeletrônicos. Pretendíamos oferecer nossos serviços, experiência, pois, sabíamos que essa empresa não tinha um departamento de licitações.

A empresa é uma dessas que colocam até playground para agradar os vendedores. Tudo colorido, bonito, parecendo uma miniatura da Disney. Aguardamos numa recepção que era passagem de pessoas da área comercial. Cada uma dessas pessoas que por nós passavam, nos interrogavam com os olhos, como se estivéssemos ali para tomar algo delas.

Aguardávamos o gerente de vendas para o governo e pelo cenário incorporado à empresa, pensávamos que seria uma reunião tranquila e de cortesia mútua. Passados alguns minutos, uma moça nos conduziu até a sala de reuniões.

Então, um pouco (muito) atrasado chegou o rapaz. Um lorde inglês trajado de lorde inglês. Até hoje lembro do seu blazer de veludo na cor verde esmeralda com lindos botões. O semblante era pesado, seriedade de quem diz que a reunião foi marcada, mas não tenho tempo pra vocês.

Houve aquela troca de cartões, meu nome e seu nome… e começamos a apresentar nosso serviço, experiência e etc. Fomos interrompidos umas três vezes por funcionários da empresa que questionavam se a reunião demoraria pois precisavam da sala. O detalhe é que antes da presença do lorde, quero dizer, do gerente, já haviam nos questionado a mesma coisa.

Quando estávamos nos acostumando com as interrupções externas, foi a vez dele nos interromper pra dizer que já tinha tudo o que precisava, que a empresa era isso e era aquilo, tinha contato com o representante que quisesse no país, que tinha uma equipe de consultores trabalhando dentro dos órgãos públicos e que dificilmente participavam diretamente de uma licitação, somente quando tinha certeza de que a licitação era deles.

Só não fomos enxotados porque a pessoa que nos apresentou ao lorde descortês estava presente na reunião e muito sem graça nos conduziu até a porta nos mostrando, pra distrair, uns cacarecos eletrônicos que a empresa estava lançando.

Meses depois, a Lince estava em uma licitação representando uma empresa de equipamentos de informática. Estávamos disputando apenas um dos três itens. Cada item era estimado em pelo menos 100 milhões.

Um dos outros dois itens que não estávamos disputando, tinha características de quem trabalhou o processo por anos dentro do órgão público… Software bem amarradinho no equipamento e eu sabia de quem era aquele item: Era do lorde.

Acontece que, a empresa do lorde foi desclassificada ainda na abertura das propostas porque ao cadastrar esqueceu de colocar os zeros de modo que se apresentasse uma proposta de milhões conforme estimado.

Fiquei sabendo que como a empresa não tinha um departamento de licitações, quando o trabalho plantado virava uma licitação, era o próprio lorde o responsável por cadastrar a proposta e por todas as etapas da licitação. Com certeza a inexperiência o fez jogar fora ou atrasar uma venda de milhões em que a empresa deve ter investido muito dinheiro e dedicado muito tempo no desenvolvimento da demanda.

A análise do óbvio pela comissão de licitação e a óbvia desclassificação da empresa causou atraso de horas na licitação. Os responsáveis pela licitação no órgão público sabiam que da forma que o edital foi desenhado, não haveriam outras empresas aptas. Razão pela qual a empresa do lorde passou a esculhambar o órgão responsável pela licitação, mas sem sucesso.

Vamos às ironias:

1) estarmos presentes na mesma licitação

2) assistirmos o lorde descobrir que não era o dono do mundo

3) acompanharmos o noticiário o resto do dia pra saber se algum lorde tinha voado da janela de algum prédio comercial indo parar no meio da pista na Av. Brigadeiro Faria Lima, após o dono da empresa descobrir que perdeu um contrato de milhões por um mero descuido com os zeros.

Ele perdeu a licitação e nós sabíamos o contexto. A arrogância ao afirmar que não precisava justamente da experiência que teria feito toda a diferença. São muitas emoções.

P.S. Se alguém ver um rapaz desorientado, descabelado, desmemoriado, vagando pelas ruas com um blazer aveludado, verde esmeralda, com lindos botões, por favor, nos avise, sabemos o endereço da empresa que ele trabalha (ou trabalhava?).

😂

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